sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Sorria pelo dia de sol ou chuva e pelas flores que brotavam em seu jardim. O céu estava sempre azul mesmo em dias cinza.  Soninha sempre alegre e intensa. Não tem religião mas tem  um coração gigante.  Fala sobre todos outros assuntos e dizia sempre que o  requisito era amar em todos os detalhes. Mas, não teve sorte no amor e educou seus quatro filhos sozinha. Nunca à vi reclamar de nada e sua disposição e bom humor causava admiração e inveja nas outras pessoas.

Quando eu chegava em sua casa,  sempre me cobrava um abraço. Arqueei as sombracelhas e disse que num queria abraçar, e gritei: “ Vamos Maiana, estamos atrasadas “. Maiana é sua filha mais nova, e estávamos atrasadas pra aula de natação, no Sesc, há três quadras dali.

Mas ela não se importava com o que eu dizia , e completava. “ Abraço é sempre bom e ajuda a remar com mais força “. E me abraçava mesmo eu não à abraçando, porque ela sabia da dificuldade que eu tinha em abraçar. E minha pouca idade ainda não me deixava compreender esse remar. Mas ela conseguia entender os meus sentimentos e pensamentos.

Ela me dizia que ao resolver tudo que tinha pra resolver, iria embora. E quando isso acontecesse sentiria minha falta.

Poderia morar em qualquer lugar que quisesse e Soninha havia escolhido a Índia. Lembro que estava sempre arrodeada de pessoas, ou no telefone. Trabalhava muito, seus compromissos eram intensos. No retorno de uma de suas viagens me trouxe Mar Absoluto, da Cecília Meireles. Foi um dos meus primeiros livros.  

A passagem de Soninha na cidade foi rápida. Ficou apenas um ano e isso foi profundo. Ela sabia evidenciar seu lado luz.Benfazeja.                                                                                                                                                                                                                                                                                                               Antes de ir embora, me esperou pra se despedir mas eu não apareci, porque eu sabia se fosse  iria chorar. E eu não queria chorar.

Depois de tanto tempo, pra minha surpresa, hoje ela me ligou. E disse coisas boas de se ouvir;  Perguntou como eu estava. Falou que era ainda  minha segunda mãe e amiga também.  Aí deu um nó na garganta, sabe. Me senti especial. E vi que a distância não diminuiu a importância e isso é gratificante. Ter uma mãe já é bom, imagine duas.

Hoje ela é humanista ! Queria saber como Deus à convenceu de uma missão tão nobre, já que não acredita na sua existência. Sua mãe sabia porque escolheu esse nome, Sonia, que quer dizer, “ Sabedoria Divina” .

Ela não usa rede social,  casou com o mundo e morou em vários lugares. Hoje está  na África do Sul. Disse que lá é lindo e desenvolve  um trabalho e não sabe por quanto tempo vai ficar.  Mas quando retornar pra casa, na Noruega, quer que eu vá visita-la. Admiro a sua interação com a liberdade,  determinação e a facilidade de sentir-se em casa aonde chega.

Localizei no tempo quando  a gente se conheceu. Maiana e eu estávamos na praça Padre Cícero quando voltávamos da natação, e tomávamos sorvetes daqueles coloridos pela quantidade absurda de anilina e eram vendidos no copinho descartável, mas que gostávamos muito rsrs. Ela voltava de um magazine, tinha ido comprar algo e ali nos conhecemos. Lembrei também do cheiro de seu cabelo quando me abraçava e de suas histórias inventadas só pra ver a gente gargalhando. Ele adorava estar arrodiada de adolescentes !  


É tão intenso sentir esse hiato da saudade...  Cada um no seu caminho, e quando o caminho muda a sua história também muda. Cada experiência agrega valores e virtudes que aperfeiçoa o ser. A vida é o melhor mestre!

Keila Cristina
27 de Outubro de 2017

domingo, 15 de outubro de 2017

As chaves da evolução



Lugar predileto é onde eu possa sentir o aroma  da flora . Estar em contato com a energia de uma área verde, além de sentir  o ar mais puro, é o  momento de introspecção para poder refletir a parte não revelada de si.

Os sábios ancestrais chamam isso de iluminação! E eu chamo de ânimo sereno. Porque quando vou pra Chapada do Araripe  sinto a poesia fluir com mais intensidade. É a aproximação da minha parte mais oculta, mesmo que esse encontro exija mais da minha coragem.

Estar longe da embriaguez das conquistas mundanas, que tem sua importância, mas o sagrado da vida são importâncias íntimas e divinas. E isso me faz  interessar nas conquistas de um olhar mais apurado sobre todas as coisas.

Por exemplo: O abraço, seu cheiro de ternura, os segredos e a cumplicidade que ele traz e transforma; A alquimia do perdão e do amar e a transmutação das dores; O toque de uma mão silenciosa num coração que vive no pântano da tristeza; As pequenas orações de força, fé e energia e os seus benefícios; A saudade que surge não pela lembrança da lista de contatos, o envolvimento de um beijo e o suspiro que traduz o idioma do coração, ou a lição numa decepção no sentido do fortalecimento pessoal.

O que eu quero dizer, é que as maravilhas acontecem mais dentro da gente do que fora. Já dizia Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os deuses.” A grandeza dessa frase revela  a nossa maneira de olhar e agir. Então, quando olho minhas imperfeições vejo o quanto ainda estou distante de mim mesmo.



Keila Cristina
15 de outubro de 2017

domingo, 8 de outubro de 2017

Abraçando as sombras


Andado pelo interior da Bahia, numa cidadezinha cheia de ruas largas e  pedras seculares, chamada de Filadélfia, conheci um senhor de nome Crispim. Costumava sentar dentro de casa mas  em frente para rua em que prestava atenção os andarilhos. Enquanto eu esperava sua esposa, conversávamos, e ele me relatou num tempo em que era saudável e trabalhava na roça. Essa conversa mais parecia um desabafo, pois transcorria lágrimas pela sua face, Com uma xícara  de café entre os dedos, pairava nos labirintos mentais  cheio de conflitos e confusões desse caminho estreito  em que  já não há mais esperança.

A sua ‘’ menina ‘’, era o gesto carinhoso quando se referia a sua enxada. Seus olhos brilhavam maravilhado pelas lembranças.  Sua voz afinada com a dor, em que já não acreditava na condição primordial de ser feliz.

Crispim tem uns setenta e poucos anos. É abatido, encurvado, sem alegrias, parece um espectro de si mesmo. Reativo em seu mundo  sórdido, de sentimento sombroso e um céu escuro. Pois sua realidade lhe sustenta um fardo.

Não costuma sair de casa.  Sua doença lhe deixa de mãos atadas. Depende da sua esposa pra tudo. Todos os dias, ela sai cedinho, anda uns 5km a pé de casa até a roça, volta só ao meio dia, no horário mais escaldante e ao chegar cuida dos afazeres domésticos.

Depois S. Crispim se irritou quando um carro com esses paredões de som dominava o sossego da pequena cidade. Ele não conseguia entender porque as pessoas já não curtem Roberto Carlos. E lembrou mais uma vez de sua juventude, da bossa nova e dos bailes festivos.

Num mundo onde se tem medo da felicidade, falar das músicas de Roberto Carlos é amar de corpo e alma, é uma oração para os vivos, porque as músicas reflexivas   nos coloca dentro de nossas escolhas.

As boas lembranças é algo que dar forças a S. Crispim de continuar resistindo. Mas não tem forças suficiente para passar do portão da sua casa, a não ser para ir pro hospital, quando sua pressão sobe. Sua visão é pouca, seus pés são inchados e  seu corpo está sempre cansado. Para ele,  o fundo do poço é o melhor lugar . Pois não tem forças para dar impulso, mas tem a paciência de continuar ali em sua cadeira de sempre, refletindo seus dias e carregando sempre o medo da morte e a amargura de viver.

Lembrei dele esses dias, não sei porque. Queria saber se ainda está nesse plano. Mas não tenho seu contato. Então fico imaginando como seria o sorriso de S. Crispim se ele tivesse sorrido.


Keila Cristina

05 de Outubro de 2017