Andado pelo interior da Bahia, numa cidadezinha cheia de ruas
largas e pedras seculares, chamada de
Filadélfia, conheci um senhor de nome Crispim. Costumava sentar dentro de
casa mas em frente para rua em que
prestava atenção os andarilhos. Enquanto eu esperava sua esposa, conversávamos, e ele me relatou num tempo em que era saudável e trabalhava na roça. Essa
conversa mais parecia um desabafo, pois transcorria lágrimas pela sua face, Com uma xícara de café entre os dedos, pairava nos labirintos
mentais cheio de conflitos e confusões
desse caminho estreito em que já não há mais esperança.
A sua ‘’ menina ‘’, era o gesto carinhoso quando se referia a
sua enxada. Seus olhos brilhavam maravilhado pelas lembranças. Sua voz afinada com a dor, em que já não
acreditava na condição primordial de ser feliz.
Crispim tem uns setenta e poucos anos. É abatido, encurvado,
sem alegrias, parece um espectro de si mesmo. Reativo em seu mundo sórdido, de sentimento sombroso e um céu
escuro. Pois sua realidade lhe sustenta um fardo.
Não costuma sair de casa.
Sua doença lhe deixa de mãos atadas. Depende da sua esposa pra tudo.
Todos os dias, ela sai cedinho, anda uns 5km a pé de casa até a roça, volta só
ao meio dia, no horário mais escaldante e ao chegar cuida dos afazeres
domésticos.
Depois S. Crispim se irritou quando um carro com esses paredões
de som dominava o sossego da pequena cidade. Ele não conseguia entender porque
as pessoas já não curtem Roberto Carlos. E lembrou mais uma vez de sua juventude, da bossa nova e dos bailes festivos.
Num mundo onde se tem medo da
felicidade, falar das músicas de Roberto Carlos é amar de corpo e alma, é uma
oração para os vivos, porque as músicas reflexivas nos coloca dentro de nossas escolhas.
As boas lembranças é algo que dar forças a S. Crispim de
continuar resistindo. Mas não tem forças suficiente para passar do portão da
sua casa, a não ser para ir pro hospital, quando sua pressão sobe. Sua visão é
pouca, seus pés são inchados e seu corpo
está sempre cansado. Para ele, o fundo
do poço é o melhor lugar . Pois não tem forças para dar impulso, mas tem a
paciência de continuar ali em sua cadeira de sempre, refletindo seus dias e
carregando sempre o medo da morte e a amargura de viver.
Lembrei dele esses dias, não sei porque. Queria saber se
ainda está nesse plano. Mas não tenho seu contato. Então fico imaginando como
seria o sorriso de S. Crispim se ele tivesse sorrido.
Keila Cristina
05 de Outubro de 2017
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